sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Literatura Infantojuvenil e a Literatura de Aconchego para todas as idades

 O Segredo do Sótão - Gladys Rosa

 

Entre os livros infantojuvenis publicados nos últimos anos, destaque para "O Segredo do Sótão" (Editora Insular, 2020) da escritora catarinense Gladys Rosa, artista, professora de Educação Física e integrante  da Academia de Letras de Palhoça - ALP.

Uma história gostosa de ser lida, divertida, capítulos bem encadeados, com gostinho da infância. A leitura evoca as lembranças de quando passávamos as férias na casa dos avós ou em algum sítio da família. Nesse cenário, a vida acompanha os ritmos da natureza, o carinho dos avós, o cheirinho do bolo assando no forno e as brincadeiras ao ar livre com os primos. 

A trama se desenvolve numa busca por algo misterioso que existe no sótão da casa da avó de Aderet, uma menina curiosa e cheia de vida.  Com suas ideias mirabolantes, coloca o primo Levi em apuros. Nos momentos de contato entre neta e avó, aprendizados e rituais são passados para a próxima geração com o carinho e a construção de memórias afetivas para a vida.

A narrativa se passa nos anos 60 e o contexto histórico  e político do Brasil daquela época está presente no plano de fundo.

Mas o que é que haveria de tão misterioso e especial no sótão da casa da avó? Cada capítulo e suas ilustrações nos levam ao desfecho tão surpreendente quanto guardado a "sete" chaves. 

Um estilo literário? Quem sabe, Literatura de Aconchego, pois a autora nos proporciona palavras acolhedoras e agradáveis, despertando a vontade de nos aconchegarmos num sofá, com uma manta e uma caneca de chocolate quente, pois não percebemos as horas passarem durante leitura tão envolvente.

O livro apresenta belíssimas ilustrações da própria autora. 

A Gladys foi minha professora de Educação Física e é uma satisfação recomendar os livros da amiga preciosa que a vida trouxe de presente!

Adorei a leitura e recomendo!

 

O Segredo do Sótão, Gladys Rosa. Florianópolis: Editora Insular, 2000.

Link da Editora: https://insular.com.br/produto/o-segredo-do-sotao/

 ...

P.S.: a obra terá continuidade através de dois novos volumes com deliciosas aventuras e novos mistérios, em outras épocas e lugares. Em breve serão publicados e a trilogia estará completa!

 📚✨



sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Livros no Natal: o Melhor Presente!

A Natureza é Sábia - Sandra P'atrício


Às vésperas do Natal, aproveito para divulgar um livro infantil muito especial, para todas as idades que se interessem pela natureza, flores, árvores, borboletas e amizade!

Capa do Livro

A Natureza é Sábia, da escritora Sandra P'atrício, é um livro próprio para presentear. 

No formato de uma fábula, conta sobre o processo do surgimento de uma borboleta que enfrentou dificuldades em seu desenvolvimento, desde a fase de larva até o momento do voo.

A linguagem utilizada é bastante poética, o que agrega ainda mais beleza à obra.

As ilustrações no interior do livro são da própria autora e as crianças de todas as idades podem se divertir ao colori-lo. 

página ilustrada pela autora, para colorir

Ao ler o livro, podemos apreender mensagens bem importantes para a vida, como o valor da amizade e a importância da solidariedade nas etapas da vida em que precisamos superar alguma dificuldade.

Livros são excelentes presentes em qualquer época do ano, principalmente no Natal. Os livros continuam conosco através de suas mensagens, reflexões e aprendizados que trocamos com os autores.

Sem mais spoiler, leiam, presenteiem e depois me contem o que acharam!

O livro:

A Natureza é Sábia, 2022

Autora: Sandra P'atrício

Editora: Juca Palha, São José - SC 


A autora: 

Sandra P'atrício é escritora e Terapêuta Holística, integrante da Academia de Letras de Palhoça - SC - ALP. 

Estudei com a Sandra no Ensino Fundamental e desenvolvemos uma linda amizade. Depois, seguimos caminhos diferentes e há alguns anos, nos reencontramos. Que alegria reencontrar a grande amiga!

Durante o ano de 2024, Sandra lançou o livro em espaços como a Floricultura Plante Vida e Café Nack Cakes, em Palhoça - SC e na Bienal do Livro e Artes em Santo Amaro da Imperatriz. E também, apresentou o livro a estudantes de escolas da região da Grande Florianópolis.

Contatos com a autora: @studio.sandrapatricio (Instagram)

contracapa do livro


Feliz Natal para todas e todos os leitores deste Blog! 

Desejo que as luzes desta época iluminem os nossos corações e levemos a todos os dias de 2025 a consciência de Amor e Fraternidade!

🎄📚✨

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Ficção Científica e os primórdios das obras distópicas

 Nós, Yevguêni Zamiátin (1884 - 1937) e os primórdios da Ficção Científica Distópica


 

Esta obra é uma Ficção Distópica que inspirou clássicos, como por exemplo, 1984, Admirável Mundo Novo, Laranja Mecânica e Fahrenheit 451, entre outras.

Escrita entre 1920 e 1921, é uma das grandes obras da pós Revolução Russa (1917). O título só foi publicado no seu país de origem 67 anos depois. Os próprios russos tiveram acesso ao conteúdo do livro através da publicação em outros países.

A trama se passa num futuro distante, em torno de 1000 anos à frente. Após um cenário de guerras, o que restou da população, ou sua maior parte, reuniu-se ao redor de um Estado Único, totalitário, com o mínimo de liberdade, sem que a maior parte das pessoas se dessem conta disso. Aliás, apesar da falta de liberdade, a população apoia o Estado Único como se fosse algo favorável àquela sociedade.

Nesse cenário, as pessoas quase não pensam mais por si próprias; são controladas em suas rotinas de trabalho e vida pessoal. Praticamente não há o livre pensar pois a lavagem cerebral continuada pelo único veículo de comunicação fez o seu papel: promover a adoração ao Estado Único e seu governante.

As gerações se sucedem, uma após a outra, e já não pensam mais sobre sua condição. A falta de pensamento próprio e direitos individuais faz com que as pessoas sejam tratadas e chamadas por números, a vestirem-se de modo uniformizado e a perceberem-se como um difuso “nós”.

Praticamente não existe privacidade. Os habitantes dessa sociedade vivem em casas de vidro transparentes e quase tudo o que fazem ou deixam de fazer é do conhecimento do sistema autocrático. Até mesmo as relações mais íntimas acontecem com hora marcada, com a permissão de fecharem as cortinas do quarto durante aquela hora, a qual chamavam de Horas Particulares. 

E quem ousaria pensar de forma crítica e consciente sobre sua realidade? Demasiado perigoso ou improvável, considerando o alto nível de controle da população por parte do governo totalitário e nível de domínio de suas vidas pela mão pesada do Benfeitor. Exceto para um. Exceto para alguns. 

O protagonista é um engenheiro e participa de um projeto ousado: a construção da Integral, uma espécie de nave espacial para dominar outros mundos. O objetivo é, especificamente, dominar os habitantes de outros planetas “que talvez ainda se encontrem em estado primitivo de liberdade.” (p. 15)

Enquanto ele escreve uma espécie de diário para a posteridade em elogio ao sistema, observa o surgir de insights a respeito de sua própria realidade, ao mesmo tempo em que, o encontro com uma mulher misteriosa (talvez portadora do fruto proibido do conhecimento), suscita-o a questionar sua condição de vida. A semente da reflexão vai desenvolvendo-se e, ao poucos, vê sua vida em risco. Até então, literalmente não sonhava, dormindo ou acordado. Idolatrava o ditador e considerava-se feliz e agradecido.

As tentativas de driblar o sistema não são fáceis, considerando-se o alto grau de controle sobre as rotinas de vida pessoal e laborativa dos habitantes. “Não seria preciso dizer que entre nós, tanto nisso como em tudo o mais, não há lugar para casualidades, nada de inesperado pode ter vez.” (p. 156)

O autor nos mostra ao longo da obra que naquela sociedade, para que a população se mantenha obediente e sob o controle do governante maior, as emoções devem ser proibidas e negadas. Dessa forma, no início, o protagonista apresenta uma linguagem mais robotizada, mecânica e formal. Ao entrar em contato com as emoções, passa a sonhar, refletir sobre sua condição de vida e sobre o sistema ao qual está inserido, e com isso, a linguagem na qual conta a história, passa a ser mais afetiva e até mesmo um pouco poética, ainda que trate mais das suas angústias ao final do livro.

Penso ainda que é possível fazermos um paralelo com a Alegoria da Caverna de Platão, em que um grupo de pessoas que vivia presa numa caverna percebia a realidade a partir da projeção do que acontecia fora dela, refletida em sombras numa parede dessa caverna. No livro "Nós", a população desse futuro distante acessa a realidade a partir do que o governo autocrático permite que chegue ao povo, com uma grande distorção. Nessa breve apresentação podemos perceber o quanto é importante o conhecimento da Literatura e da Filosofia para compreendermos a nossa realidade interna e o mundo em que vivemos.

Sem mais spoilers, recomendo a leitura, tanto pelo seu valor histórico, na linha do tempo das obras de ficção científica distópica, quanto para que possamos observar até que ponto já vivemos algumas condições de controle descritas no livro e também, alertar quanto à importância e a necessidade do livre pensar para que as pessoas possam expressar seus potenciais criativos e garantir os direitos relacionados à dignidade da condição humana.


Nós, Yevguêni Zamiátin.
Editora 34
Coleção Leste, Narrativas da Revolução 
Publicado em SP, 2017, 100 anos da Revolução Russa

domingo, 14 de abril de 2024

Dia Internacional do Café - Poesias selecionadas para um domingo de manhã

No silencioso amanhecer de domingo, entre um silêncio e outro, aprecio poesia no café da manhã. Inclusive escrevi um pouco sobre isso numa das primeiras publicações do blog.  Talvez por sincronidade, verifiquei as datas comemorativas do dia de hoje e constatei que 14 de Abril é o Dia Internacional do Café. Sim, café e poesia tem tudo a ver!

Traduzo a leitura da poesia como uma necessidade da alma; um alimento efêmero e raro. E o café... memórias afetivas da casa dos meus avós que plantavam o próprio café, torravam, passavam por um pilão e certamente era o café mais gourmet que já saboreei.

Que tal Lindolf Bell, Cruz e Sousa, Eugenio Montale e Eugénio de Andrade no café da manhã? Compartilho com vocês a seleção de alguns poemas, na ordem em que os li hoje, e saboreei e apreciei cada verso. Se preferir, acrescente Beethoven! Ah, o café estava maravilhoso! 📚🍯✨

Um café em Florianópolis - SC / Brasil

📚 Uns versos de Lindolf Bell (Timbó - SC 1938 - Blumenau - SC 1998), poeta catarinense, fundador do movimento Catequese Poética, conhecido por levar suas poesias para as praças e chãos de fábrica.

Obs.: há uns dois anos, publiquei um artigo específico sobre Lindolf Bell neste blog.


Desterro


Aqui estou eu

em pleno século XX

desterrado por Platão.

Dentro do círculo da vida

não mais aberto

que um não.


Que faço nesse tempo

entre terra e céu de ironia?

Em coração caracol

e em tempo de uvas verdes?


Faço um poema.

Me desfaço.

Me desfaço como um laço

de uma caixa de presentes vazia.


E enquanto me desfaço no poema

afino o sentimento do mundo:

desterro se faz de nenhum lugar.

E só se faz de saudade.


Lindolf Bell. O código das águas, 5a ed. São Paulo: Global, 2001, p. 50.



📚 Um soneto com a musicalidade sublime de Cruz e Sousa (Desterro, atual Florianópolis SC, 1861 - 1898, MG), poeta maior do Simbolismo catarinense e brasileiro.

Obs.: há uns dois anos, publiquei um artigo específico sobre Cruz e Sousa neste blog.


Olhos

II

A Grécia d'Arte, a estranha claridade

Daquela Grécia de beleza e graça,

Passa, cantando, vai cantando e passa

Dos teus olhos na eterna castidade.


Toda a serena e altiva heroicidade

Que foi dos gregos a imortal couraça,

Aquele encanto e resplendor de raça

Constelada  de antiga majestade,


Da Atenas flórea toda o viço louro

E as rosas, mirtais e as pompas d'ouro,

Odisseias e deuses e galeras...


Na sonolência de uma lua aziaga,

Tudo em saudade nos teus olhos vaga,

Canta melancolias de outras eras!...


Cruz e Sousa Simbolista. Organizado por Lauro Junkes. Jaraguá do Sul: Avenida, 2008, p. 188.


📚 Um momento na eternidade para saborear os versos de Eugenio Montale (Itália, 1896 - 1981), na belíssima obra "Ossos de Sépia". O grande poeta italiano foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1975.


Não nos peças a palavra que acende cada lado

de nosso ânimo informe, e com letras de fogo

o aclare e resplandeça como açaflor

perdido em meio de poeirento prado.


Ah o homem que lá se vai seguro,

dos outros e de si próprio amigo,

e sua sombra descura que a canícula 

estampa num escalavrado muro!


Não nos peça a fórmula que te possa abrir mundos,

e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo.

Hoje apenas podemos dizer-se

o que não somos, o que não queremos.

(...)

O que de mim soubestes

foi somente a cobertura,

a túnica que reveste

a nossa humana ventura.


E talvez além do véu

houvesse um azul tranquilo;

a vedar o límpido céu

só um sigilo.


Ou ao invés fosse fantástica

a mudança em minha vida,

o descortinar de incendida

plaga que não verei mais.


Restou assim esta capa

da minha real substância;

o fogo que não se apaga

para mim se chamou: ignorância.


Se sombras avistardes, não será

uma sombra --- eu hei de ser.

Pudesse arrancá-la de mim,

eu vos haveria de oferecer.


Eugênio Montale. Ossos de Sépia 1920 - 1927. Edição bilíngue - Português /Italiano. Companhia das Letras. São Paulo: 2002, p, 67 e 81.



📚 Vamos às palavras translúcidas, doces e musicais na poesia de Eugénio de Andrade (1923 - 2005), ilustre poeta português.


Pequena elegia chamada domingo


O domingo era uma coisa pequena.

Uma coisa tão pequena

que cabia nos teus olhos. 

Nas tuas mãos

estavam os montes e os rios

e as nuvens.

Mas as rosas,

as rosas estavam na tua boca.


Hoje os montes e os rios

e as nuvens

não vêm nas tuas mãos.

(Se ao menos elas viessem

sem montes e sem nuvens 

e sem rios...)

O domingo está apenas nos meus olhos

e é grande.

Os montes estão distantes e ocultam

os rios e as nuvens

e as rosas.


Eugénio de Andrade. As mãos e os frutos. Edições Quasi. Braga, Portugal: 2008, p. 44.


🎻 Sugestões de músicas  clássicas, se preferir alternar os momentos de silêncio:

Sinfonia n. 5 de Beethoven, interpretação da Orquestra Filarmônica de Oslo, Maestro Herbert Bomstedt:

Symphony No. 5 / Ludwig van Beethoven / Herbert Blomstedt / Oslo Philharmonic (youtube.com)


Sinfonia n. 9 de Beethoven, interpretação da Orquestra Sinfônica de Chicago, Maestro Riccardo Muti:

Beethoven 9 - Chicago Symphony Orchestra - Riccardo Muti - YouTube


Espero que aprecie! 📚☕✨


E você, quais poemas recomenda?


p.s.: todos os livros citados acima, encontrei-os em sebos (lojas de livros usados) em Florianópolis - SC / Brasil.

quinta-feira, 28 de março de 2024

A Tragédia Grega de Ésquilo e o Asilo Político da Grécia Antiga aos Dias Atuais

 

Suplicantes – O Nascimento do Asilo Político na Tragédia Grega

Um ensaio sobre a tragédia da migração e os dilemas da política - Marcelo Alves

Itajaí - Editora da Univali / Curitiba - Editora da UFPR, 2022. Bilíngue Português-Inglês, 122 p. / 128 p.

Quem são as pessoas que suplicam por algo nos dias atuais? Quem suplica por asilo político e quais seriam os motivos? O que estaria na base deste fenômeno?

Entre nós, num mesmo país, há quem perambule de um lado para o outro em busca de trabalho, comida, água, abrigo, um banho decente, enfim. Muitas e muitas vezes, essa busca representa uma súplica movida pelo desespero de não encontrar um lugar no cenário complexo do mundo capitalista em que vivemos. Ainda não se suplica por oxigênio por ser algo que encontramos livremente na atmosfera e não foi privatizado, não é vendido nos mercados.

Entre os países, há uma parcela da população mundial que se move através das fronteiras em busca de proteção, alimento, dignidade e sobrevivência. São os migrantes, os refugiados, os que suplicam por asilo político.

Vivemos numa cultura em que a pessoa desempregada, sem posses ou que não consegue pagar o aluguel de um imóvel e o seu próprio alimento é marginalizada, discriminada. Em linhas gerais, é como se isso fosse uma falha da pessoa que pede ajuda, que não consegue se manter no frágil equilíbrio de uma sociedade que naturalizou o lucro, ou seja, o ganho de alguns em detrimento da miséria de tantos. Num mundo assim, do capitalismo selvagem, não há lugar para todos. A essência desse sistema econômico pressupõe que parte dos habitantes fiquem de fora para que uma minoria usufrua dos lucros. Não tem como todos ganharem esse jogo e os que “falham” são tidos como incompetentes ou incapazes.

Este tipo de preconceito e discriminação atinge também as pessoas que migram entre os países em busca de melhor condição de vida ou de sobrevivência. Essa migração seria algo mais simples se houvesse um acolhimento por parte das nações, a priori. Ou então, se houvesse um esforço diplomático entre os países para minimizar ou equacionar as condições hostis dos países de origem dos migrantes, como guerras, disputas religiosas, perseguições políticas e outros conflitos.

Na obra “Suplicantes - O Nascimento do Asilo Político na Tragédia Grega”, o escritor e professor de Filosofia Marcelo Alves nos apresenta um ensaio a respeito do tema Asilo Político a partir da Grécia Antiga, ilustrada através da tragédia de Ésquilo, As Suplicantes. Resumindo bem os pontos principais desta tragédia, trata-se do dilema das cinquenta danaides, filhas de Dánao, prometidas a casar contra suas vontades com seus primos, os cinquenta filhos de Egipto. Para livrarem-se do destino, fogem e pedem asilo ao rei Pelasgo, em Argos, na Grécia. A partir daí, o jogo de forças se desenvolve, no sentido de atender à súplica das danaides ou colocar o reino de Argos em risco de guerra contra o reino de Egipto. Argumentos religiosos e políticos, considerando a vontade dos habitantes da polis, são postos na balança para que se chegue a uma decisão. Das mais de noventa peças atribuídas a Ésquilo, um dos três principais tragediógrafos gregos, apenas sete chegaram até os dias atuais e As Suplicantes é uma delas, juntamente com Os Persas, Os Sete Contra Tebas, Prometeu Acorrentado e a trilogia Oresteia, formada por Agamêmnon, Coéforas e Eumênides.

O autor situa inicialmente os conceitos de asilo religioso e político na Tragédia da Grécia Antiga a partir dos valores básicos respeitados pelos cidadãos dessa civilização, as leis não escritas, comuns aos helenos. São eles: dar funeral aos mortos, acolher os suplicantes, dar e receber hospitalidade e cumprir os juramentos. Esclarece que o respeito pelo outro sustenta esses valores / leis não escritas.  E as tragédias, em linhas gerais, eram uma forma de levar ao povo os temas, valores e conceitos que vinham sendo construídos no auge da civilização helênica, no sentido religioso, político e pedagógico.

O desenvolvimento e a construção dos conceitos relacionados ao longo da obra ocorre de modo didático e esclarecedor, como por exemplo: o que é a tragédia grega, como se dá a transição entre asilo religioso e asilo político, a relação entre hospitalidade e hostilidade, a hospitalidade como um dos valores essenciais na Grécia Antiga, a transição da decisão por asilo político por parte de governantes autocráticos e por assembleias de representantes do povo, o Direito Internacional e os Direitos Humanos e, por último, uma reflexão, apresentada pelo próprio autor, a respeito da suposta passividade das pessoas que suplicam por asilo político, refúgio e proteção.

No trecho “assim, não bastasse o fato de não contarem com as garantias de seu próprio Estado de origem, estes “cidadãos” estrangeiros são penalizados uma segunda vez quando chegam em busca de acolhimento ou de oportunidade, porque esta ficcionalização – de tratá-los como se cidadãos fossem – facilmente reverte-se em ocasião para legitimar a indiferença pela sua sorte (...) seriam percebidos como invasores: cidadãos estrangeiros vindos sem serem  convidados, dispostos a roubar postos de trabalho e a arruinar os valores e o modo de vida locais” (p. 91), o pesquisador elenca uma série de preconceitos e dificuldades a que estão sujeitos os migrantes e os refugiados. Faz um alerta, ao longo da obra, sobre o valor do respeito ao outro, simplesmente por sermos seres humanos. 

No Sumário do livro, encontramos os seguintes temas:

Apresentação

Introdução

Súplica e Hospitalidade no Mundo Grego Antigo

Direito e Política na Tragédia Grega

As Suplicantes e os Dilemas da Política

Zeus, Deus e Mortalis Dei: Do asilo religioso ao asilo político

Desfecho: Os dilemas da política diante dos refugiados, deslocados, solicitantes de asilo e outros suplicantes

Referências


Gostei bastante da leitura deste livro e considero-o bem-vindo e necessário nesses tempos em que convivemos com guerras e crises humanitárias em tantos países. Há legiões de pessoas que buscam por sobrevivência e dignidade longe de suas famílias, cultura, tradições, idioma e nação de origem. Na maioria das vezes, essas pessoas são tratadas com hostilidade, preconceito e excluídas do mínimo de dignidade. A obra nos ajuda a compreender esse contexto e o desenvolvimento do conceito de asilo político. Além de ser uma obra para as áreas das Relações Internacionais, do Direito, da Literatura e áreas afins, sua leitura nos ajuda tanto a rever conceitos como também a desenvolver argumentos atualizados para o debate do tema.

A edição bilíngue português – inglês, sem dúvida, amplia o alcance da obra.

Boa leitura!

 📚📚📚

Conheço o Marcelo Alves desde a época do Ensino Médio, pois estudamos na mesma escola e depois, reencontrei-o algumas vezes na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Recentemente, num curso organizado pelo Grupo de Literatura do qual faço parte desde 2020, o Marcelo ministrou um curso sobre as Tragédias Gregas. Uma grande alegria e satisfação reencontrar o amigo nesse contexto literário e agradeço por compartilhar conosco suas pesquisas e escritos.

📚📚📚

Marcelo Alves é doutor em Filosofia, na área de Ética e Filosofia Política (2020), mestre em Literatura, na área da Teoria Literária (1998), licenciado (1996) e bacharel (1994) em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Lecionou na UNIVALI, entre 1999 e 2020, nos cursos de Direito, Relações Internacionais, Ciência Política e História. É autor de "Suplicantes: O nascimento do asilo político na Tragédia Grega / Suppliants: The Birth of Political Asylum in Greek Tragedy" (Editora Univali e Editora UFPR, 2020). "Camus: entre o sim e o não a Nietzsche" (Letras Contemporâneas, 2001), Leviatã: O demiurgo das paixões - Uma introdução ao contrato hobbesiano (Letras Contemporâneas, 2001) e "Antígona e o Direito" (Juruá, 2007); organizador de "Direito e Política na Revolução Francesa" (Editora Univali, 2012); co-organizador de "Relações Internacionais: outros olhares (Editora Univali, 2019) e "A Cidade Escrita: jornalismo, literatura e modernidade em João do Rio" (Editora Univali, 2005).

Algumas das obras do autor:





sábado, 29 de outubro de 2022

Dia Nacional do Livro no Brasil - 29 de Outubro 📚

No Brasil, uma das datas para celebrar e valorizar os livros e a leitura é o dia 29 de Outubro, Dia Nacional do Livro, instituído em homenagem à inauguração da Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro,  1810.  É a maior biblioteca nacional da América Latina e uma das dez maiores e mais bonitas do mundo.

Salão de obras raras da Biblioteca Nacional do Brasil (fonte: https://diariodorio.com/a-historia-da-biblioteca-nacional-rio-de-janeiro/)

Os livros são preciosidades que carregam si histórias, informação, conhecimento, sabedoria, ciência, arte e cultura. São capsulas do tempo que tornam possível a conversa entre escritores da antiguidade e as crianças de hoje em dia, por exemplo.

Ao longo do tempo, os livros passaram por vários formatos: argila, papiros, manuscritos rudimentares, livros que são obras de arte, enciclopédias, e-books, audio-books... enfim, a criatividade humana é o limite para as formas que os livros podem assumir. 

Particularmente, sou fã dos livros de papel. Como descrever a alegria de receber livros que chegam pelos Correios? Ou procurar manualmente e encontrar o livro que não estávamos procurando nas estantes de uma livraria? E se deparar com aquela raridade nos sebos mais pitorescos? Ah... e o cheirinho de livro ao folhear aquele exemplar recém adquirido? Tudo isso faz parte do ritual bibliófilo. Você que lê essas palavras numa tela de computador ou do telefone celular, está de acordo?

Há livros que adquirimos pelo simples prazer de saber que está ali pertinho, pronto para ser lido e apreciado. Outros, lemos e relemos e, a cada leitura, novas descobertas e reflexões. Capsulas de conhecimento, fontes de imaginação, amigo para todas as horas... ah... como é prazeroso o gosto  e o contato com os livros!

Para celebrar o dia Nacional do Livro no Brasil, separei aleatoriamente alguns exemplares das áreas de Filosofia, Educação, Psicologia e Literatura Brasileira e Estrangeira, incluindo Poesia, é claro. É uma forma de  ilustrar a variedade e a importância dos livros em nossas vidas ao longo do tempo.

Livros são a garantia de que o conhecimento será passado adiante, de que os aprendizados e descobertas não irão se perder, de que as novas gerações terão novas ideias a partir do que foi escrito há séculos. 

Estamos às vésperas das eleições para Presidente da República do Brasil e podemos lembrar que há livros sobre democracia, formas de governo, ética, educação, liberdade, fraternidade, tolerância e respeito ao livre pensar. Conhecemos as histórias em que os livros foram queimados em fogueiras e isso não se trata de distopia e sim, realidade. Não foram os livros em si que eram considerados ameaçadores, mas o conhecimento que eles carregavam.

Nos países da Europa e em tantos países do Primeiro Mundo, as cidades costumam ter uma série de bibliotecas públicas. No Brasil, se uma cidade tiver uma biblioteca pública, consideramos suficiente. Quanto mais bibliotecas públicas, mais o conhecimento estará ao alcance de todos. Numa época em que cada vez há mais farmácias em cada esquina, construir novas bibliotecas é algo desafiador.

Para finalizar, alguns filmes sobre livros e leitura:

1. Minhas tardes com Margueritte, 2010, França, Direção: Jean Becker

2. Alexandria, (sobre Hipátia), 2009, Espanha, Direção: Alejandro Amenábar

3. A livraria, 2017, Espanha, Reino Unido, Alemanha, Direção: Isabel Coixet

4. Fahrenheit 451, 1966, Reino Unido, Direção: François Truffaut

Boas leituras neste Dia Nacional do Livro no Brasil!

Aproveite para presentear com livros! 📚

quinta-feira, 30 de junho de 2022

O Conto na Literatura: Conta-me um conto

 Dentre os vários gêneros literários, o conto apresenta características bem marcadas e tem seu valor e espaço ao longo do tempo. Sua origem remonta as tradições orais, antes mesmo da linguagem escrita.

Há diversas formas de se contar um conto. Essencialmente, caracteriza-se por se tratar de uma narrativa curta, poucos personagens e um desfecho muitas vezes surpreendente. Há vários exemplos de contos contendo bastante páginas, equivalente a um romance, mas como a trama acontece em torno de poucos personagens e apresenta um único conflito, são considerados contos.

Podemos destacar alguns estilos em que predominam um ou outro elemento, como por exemplo, o conto de acontecimento, o conto reflexivo, o  conto sócio-documental, o conto de fadas, o conto fantástico, entre outros.

Por ter uma narrativa mais curta, pode passar a impressão de que seja mais simples de se escrever um conto. No entanto, a escrita de um  conto é uma tarefa complexa e desafiadora. 

Acho que eu tinha uns nove ou dez anos quando li um conto que considero marcante, pois lembro claramente até hoje e recentemente, encontrei o livro em que ele está inserido, num sebo e livraria em Florianópolis. Um trecho desse conto estava num livro didático de Língua Portuguesa de alguém da minha família. Como eu gostava de ler tudo o que surgia à minha frente, deparei-me com este conto. A narrativa se tratava de uma conversa em família na hora do almoço, em que um menino perguntava ao seu pai o que significava a palavra "plebiscito". A trama gira em torno dessa questão. O tempo passou e ao relembrar os contos que havia lido, fiquei com vontade de ler o conto novamente e adquirir o livro. Encontrei o livro no ano passado, na Livraria Desterrados, sem que estivesse procurando naquele momento. Descobri que foi escrito por Arthur Azevedo (São Luiz - MA, 07/07/1855 - Rio de Janeiro - RJ, 22/10/1908), irmão do também ilustre escritor Aluísio Azevedo, ambos estavam entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Podemos citar escritores renomados, especialistas no gênero conto. Por exemplo, no Brasil podemos citar Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Clarisse Lispector, Rubem Alves e Sérgio Sant'Anna. De outras nacionalidades, destaque para Guy de Maupassant, Anton Tchekhov, Júlio Cortázar, Jorge Luís Borges, entre tantos outros. Em Santa Catarina, um escritor que tem se especializado na escrita de contos é Carlos Henrique Schroeder.

Ao contrário do que pode se pensar, escrever contos não é algo tão simples. Por geralmente se tratar de uma escrita mais sucinta não significa que seja fácil ou superficial. Um conto, para ser interessante, é preciso que seja bem escrito e fique "redondo", ou seja, sem arestas, sem partes desnecessárias. Trata-se de uma escrita enxuta e muitas vezes traz reflexões profundas e desconcertantes, que ficam reverberando em nossas mentes por vários dias, ou mesmo por períodos de tempo maiores.

Alguns livros de contos que recomendo:

O hóspede, Mário Higa


Os Melhores Contos de Guy de Maupassant, Editora Círculo do Livro


Nova Antologia do Conto Russo, Editora 34


Contos húngaros, Editora Hedra

Aos poucos, estarei inserindo novas recomendações.

Boa leitura! 📚


Resenhas de livros e afins

Literatura Infantojuvenil e a Literatura de Aconchego para todas as idades

 O Segredo do Sótão - Gladys Rosa   Entre os livros infantojuvenis publicados nos últimos anos, destaque para " O Segredo do Sótão ...