No silencioso amanhecer de domingo, entre um silêncio e outro, aprecio poesia no café da manhã. Inclusive escrevi um pouco sobre isso numa das primeiras publicações do blog. Talvez por sincronidade, verifiquei as datas comemorativas do dia de hoje e constatei que 14 de Abril é o Dia Internacional do Café. Sim, café e poesia tem tudo a ver!
Traduzo a leitura da poesia como uma necessidade da alma; um alimento efêmero e raro. E o café... memórias afetivas da casa dos meus avós que plantavam o próprio café, torravam, passavam por um pilão e certamente era o café mais gourmet que já saboreei.
Que tal Lindolf Bell, Cruz e Sousa, Eugenio Montale e Eugénio de Andrade no café da manhã? Compartilho com vocês a seleção de alguns poemas, na ordem em que os li hoje, e saboreei e apreciei cada verso. Se preferir, acrescente Beethoven! Ah, o café estava maravilhoso! ☕📚🍯✨
📚 Uns versos de Lindolf Bell (Timbó - SC 1938 - Blumenau - SC 1998), poeta catarinense, fundador do movimento Catequese Poética, conhecido por levar suas poesias para as praças e chãos de fábrica.
Obs.: há uns dois anos, publiquei um artigo específico sobre Lindolf Bell neste blog.
Desterro
Aqui estou eu
em pleno século XX
desterrado por Platão.
Dentro do círculo da vida
não mais aberto
que um não.
Que faço nesse tempo
entre terra e céu de ironia?
Em coração caracol
e em tempo de uvas verdes?
Faço um poema.
Me desfaço.
Me desfaço como um laço
de uma caixa de presentes vazia.
E enquanto me desfaço no poema
afino o sentimento do mundo:
desterro se faz de nenhum lugar.
E só se faz de saudade.
Lindolf Bell. O código das águas, 5a ed. São Paulo: Global, 2001, p. 50.
📚 Um soneto com a musicalidade sublime de Cruz e Sousa (Desterro, atual Florianópolis SC, 1861 - 1898, MG), poeta maior do Simbolismo catarinense e brasileiro.
Obs.: há uns dois anos, publiquei um artigo específico sobre Cruz e Sousa neste blog.
Olhos
II
A Grécia d'Arte, a estranha claridade
Daquela Grécia de beleza e graça,
Passa, cantando, vai cantando e passa
Dos teus olhos na eterna castidade.
Toda a serena e altiva heroicidade
Que foi dos gregos a imortal couraça,
Aquele encanto e resplendor de raça
Constelada de antiga majestade,
Da Atenas flórea toda o viço louro
E as rosas, mirtais e as pompas d'ouro,
Odisseias e deuses e galeras...
Na sonolência de uma lua aziaga,
Tudo em saudade nos teus olhos vaga,
Canta melancolias de outras eras!...
Cruz e Sousa Simbolista. Organizado por Lauro Junkes. Jaraguá do Sul: Avenida, 2008, p. 188.
📚 Um momento na eternidade para saborear os versos de Eugenio Montale (Itália, 1896 - 1981), na belíssima obra "Ossos de Sépia". O grande poeta italiano foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1975.
Não nos peças a palavra que acende cada lado
de nosso ânimo informe, e com letras de fogo
o aclare e resplandeça como açaflor
perdido em meio de poeirento prado.
Ah o homem que lá se vai seguro,
dos outros e de si próprio amigo,
e sua sombra descura que a canícula
estampa num escalavrado muro!
Não nos peça a fórmula que te possa abrir mundos,
e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo.
Hoje apenas podemos dizer-se
o que não somos, o que não queremos.
(...)
O que de mim soubestes
foi somente a cobertura,
a túnica que reveste
a nossa humana ventura.
E talvez além do véu
houvesse um azul tranquilo;
a vedar o límpido céu
só um sigilo.
Ou ao invés fosse fantástica
a mudança em minha vida,
o descortinar de incendida
plaga que não verei mais.
Restou assim esta capa
da minha real substância;
o fogo que não se apaga
para mim se chamou: ignorância.
Se sombras avistardes, não será
uma sombra --- eu hei de ser.
Pudesse arrancá-la de mim,
eu vos haveria de oferecer.
Eugênio Montale. Ossos de Sépia 1920 - 1927. Edição bilíngue - Português /Italiano. Companhia das Letras. São Paulo: 2002, p, 67 e 81.
📚 Vamos às palavras translúcidas, doces e musicais na poesia de Eugénio de Andrade (1923 - 2005), ilustre poeta português.
Pequena elegia chamada domingo
O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.
Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.
Eugénio de Andrade. As mãos e os frutos. Edições Quasi. Braga, Portugal: 2008, p. 44.
🎻 Sugestões de músicas clássicas, se preferir alternar os momentos de silêncio:
Sinfonia n. 5 de Beethoven, interpretação da Orquestra Filarmônica de Oslo, Maestro Herbert Bomstedt:
Symphony No. 5 / Ludwig van Beethoven / Herbert Blomstedt / Oslo Philharmonic (youtube.com)
Sinfonia n. 9 de Beethoven, interpretação da Orquestra Sinfônica de Chicago, Maestro Riccardo Muti:
Beethoven 9 - Chicago Symphony Orchestra - Riccardo Muti - YouTube
Espero que aprecie! 📚☕✨
E você, quais poemas recomenda?
p.s.: todos os livros citados acima, encontrei-os em sebos (lojas de livros usados) em Florianópolis - SC / Brasil.
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