domingo, 14 de abril de 2024

Dia Internacional do Café - Poesias selecionadas para um domingo de manhã

No silencioso amanhecer de domingo, entre um silêncio e outro, aprecio poesia no café da manhã. Inclusive escrevi um pouco sobre isso numa das primeiras publicações do blog.  Talvez por sincronidade, verifiquei as datas comemorativas do dia de hoje e constatei que 14 de Abril é o Dia Internacional do Café. Sim, café e poesia tem tudo a ver!

Traduzo a leitura da poesia como uma necessidade da alma; um alimento efêmero e raro. E o café... memórias afetivas da casa dos meus avós que plantavam o próprio café, torravam, passavam por um pilão e certamente era o café mais gourmet que já saboreei.

Que tal Lindolf Bell, Cruz e Sousa, Eugenio Montale e Eugénio de Andrade no café da manhã? Compartilho com vocês a seleção de alguns poemas, na ordem em que os li hoje, e saboreei e apreciei cada verso. Se preferir, acrescente Beethoven! Ah, o café estava maravilhoso! 📚🍯✨

Um café em Florianópolis - SC / Brasil

📚 Uns versos de Lindolf Bell (Timbó - SC 1938 - Blumenau - SC 1998), poeta catarinense, fundador do movimento Catequese Poética, conhecido por levar suas poesias para as praças e chãos de fábrica.

Obs.: há uns dois anos, publiquei um artigo específico sobre Lindolf Bell neste blog.


Desterro


Aqui estou eu

em pleno século XX

desterrado por Platão.

Dentro do círculo da vida

não mais aberto

que um não.


Que faço nesse tempo

entre terra e céu de ironia?

Em coração caracol

e em tempo de uvas verdes?


Faço um poema.

Me desfaço.

Me desfaço como um laço

de uma caixa de presentes vazia.


E enquanto me desfaço no poema

afino o sentimento do mundo:

desterro se faz de nenhum lugar.

E só se faz de saudade.


Lindolf Bell. O código das águas, 5a ed. São Paulo: Global, 2001, p. 50.



📚 Um soneto com a musicalidade sublime de Cruz e Sousa (Desterro, atual Florianópolis SC, 1861 - 1898, MG), poeta maior do Simbolismo catarinense e brasileiro.

Obs.: há uns dois anos, publiquei um artigo específico sobre Cruz e Sousa neste blog.


Olhos

II

A Grécia d'Arte, a estranha claridade

Daquela Grécia de beleza e graça,

Passa, cantando, vai cantando e passa

Dos teus olhos na eterna castidade.


Toda a serena e altiva heroicidade

Que foi dos gregos a imortal couraça,

Aquele encanto e resplendor de raça

Constelada  de antiga majestade,


Da Atenas flórea toda o viço louro

E as rosas, mirtais e as pompas d'ouro,

Odisseias e deuses e galeras...


Na sonolência de uma lua aziaga,

Tudo em saudade nos teus olhos vaga,

Canta melancolias de outras eras!...


Cruz e Sousa Simbolista. Organizado por Lauro Junkes. Jaraguá do Sul: Avenida, 2008, p. 188.


📚 Um momento na eternidade para saborear os versos de Eugenio Montale (Itália, 1896 - 1981), na belíssima obra "Ossos de Sépia". O grande poeta italiano foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1975.


Não nos peças a palavra que acende cada lado

de nosso ânimo informe, e com letras de fogo

o aclare e resplandeça como açaflor

perdido em meio de poeirento prado.


Ah o homem que lá se vai seguro,

dos outros e de si próprio amigo,

e sua sombra descura que a canícula 

estampa num escalavrado muro!


Não nos peça a fórmula que te possa abrir mundos,

e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo.

Hoje apenas podemos dizer-se

o que não somos, o que não queremos.

(...)

O que de mim soubestes

foi somente a cobertura,

a túnica que reveste

a nossa humana ventura.


E talvez além do véu

houvesse um azul tranquilo;

a vedar o límpido céu

só um sigilo.


Ou ao invés fosse fantástica

a mudança em minha vida,

o descortinar de incendida

plaga que não verei mais.


Restou assim esta capa

da minha real substância;

o fogo que não se apaga

para mim se chamou: ignorância.


Se sombras avistardes, não será

uma sombra --- eu hei de ser.

Pudesse arrancá-la de mim,

eu vos haveria de oferecer.


Eugênio Montale. Ossos de Sépia 1920 - 1927. Edição bilíngue - Português /Italiano. Companhia das Letras. São Paulo: 2002, p, 67 e 81.



📚 Vamos às palavras translúcidas, doces e musicais na poesia de Eugénio de Andrade (1923 - 2005), ilustre poeta português.


Pequena elegia chamada domingo


O domingo era uma coisa pequena.

Uma coisa tão pequena

que cabia nos teus olhos. 

Nas tuas mãos

estavam os montes e os rios

e as nuvens.

Mas as rosas,

as rosas estavam na tua boca.


Hoje os montes e os rios

e as nuvens

não vêm nas tuas mãos.

(Se ao menos elas viessem

sem montes e sem nuvens 

e sem rios...)

O domingo está apenas nos meus olhos

e é grande.

Os montes estão distantes e ocultam

os rios e as nuvens

e as rosas.


Eugénio de Andrade. As mãos e os frutos. Edições Quasi. Braga, Portugal: 2008, p. 44.


🎻 Sugestões de músicas  clássicas, se preferir alternar os momentos de silêncio:

Sinfonia n. 5 de Beethoven, interpretação da Orquestra Filarmônica de Oslo, Maestro Herbert Bomstedt:

Symphony No. 5 / Ludwig van Beethoven / Herbert Blomstedt / Oslo Philharmonic (youtube.com)


Sinfonia n. 9 de Beethoven, interpretação da Orquestra Sinfônica de Chicago, Maestro Riccardo Muti:

Beethoven 9 - Chicago Symphony Orchestra - Riccardo Muti - YouTube


Espero que aprecie! 📚☕✨


E você, quais poemas recomenda?


p.s.: todos os livros citados acima, encontrei-os em sebos (lojas de livros usados) em Florianópolis - SC / Brasil.

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