segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Cruz e Sousa, expoente do simbolismo: 160 anos do nascimento do poeta

João da Cruz e Sousa (24 de Novembro de 1861, Nossa Senhora do Desterro / Florianópolis - SC- 19 de Março de 1898, Curral Novo / Antônio Carlos - MG), poeta, jornalista e abolicionista brasileiro.

Há 160 anos nascia em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis - SC, o mais importante poeta do simbolismo brasileiro, João da Cruz e Sousa. Filho dos escravos alforriados, Guilherme e Carolina Eva da Conceição, foi criado pela família à qual os pais tinham sido escravos, o marechal Guilherme Xavier de Sousa e sua esposa, Clara Angélica Fagundes de Sousa. O nome de batismo, João da Cruz, deve-se ao nome do santo do dia, São João da Cruz, e o sobrenome Sousa, da família do marechal.

Sob a proteção da família de criação, estudou no Liceu Provincial Catarinense e teve acesso ao estudo de latim, grego, francês, matemática, ciências naturais, entre outras áreas do conhecimento. Logo cedo destacou-se nos estudos da literatura e poesia. Há histórias na Ilha de Santa Catarina, dos moradores contemporâneos a ele, contando que o jovem poeta declamava seus poemas para o vento, na região da Alfândega, próximo ao mar, e para as ondas, na beira da praia de Santo Antônio de Lisboa. Já imaginou que delícia deveria ser encontrar o jovem Cruz e Sousa a recitar seus versos ao sabor dos ventos?!

Em Desterro, em parceria com Virgílio Várzea e Santos Lostada, criou o Jornal Colombo e também, publicou no jornal abolicionista Tribuna Popular e no jornal O Moleque. Sofreu o preconceito racial de várias formas, inclusive foi cogitado e impedido de ser Procurador em Laguna - SC. Expressou suas angústias através de seus poemas abolicionistas.  Se hoje, infelizmente,  ainda presenciamos o preconceito e a discriminação em várias situações cotidianas na sociedade em que vivemos, podemos imaginar o quanto deveria ser mais sofrido e intenso lidar com o preconceito ao povo negro no período exato em que ocorreu a Abolição da Escravatura no Brasil, em 1888.

Os catarinenses Horário Carvalho, Virgílio Várzea e Cruz e Sousa, no Rio de Janeiro em 1891. Imagem Revista Cruzeiro

Cruz e Sousa, em suas andanças pelo Brasil numa companhia de teatro, do Sul ao Nordeste, expressou sua arte e publicou poemas abolicionistas em diversos jornais.

Em 1890, muda-se para o Rio de Janeiro e o continua a vivenciar o preconceito em seu cotidiano. Publicou seus textos e poemas em alguns jornais, como o Folha Popular e também, trabalhou como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 1893, casou-se com Gavita Rosa Gonçalves, com quem teve quatro filhos. A esposa apresentou problemas mentais após a perda de dois filhos, em decorrência de tuberculose.

Em 1898, também adoecido pela tuberculose, foi transferido para a cidade de Sítio - MG, em busca do clima aprazível, numa região de maior altitude, para onde muitas pessoas com problemas respiratórios procuravam, nas condições climáticas, uma forma de tratamento. Faleceu em Curral Novo (atualmente Antônio Carlos) - MG e seu corpo foi transportado até o Rio de Janeiro sem as honras que seriam merecidas.

Em vida, publicou Broqueis (1893), Missal (1893), e Tropos e Fantasias, poemas em prosa, em parceria com Virgílio Várzea (1895). Obras póstumas: Últimos Sonetos (1905), Evocações (1898), Faróis (1900), Outras Evocações (1961), O Livro Derradeiro (1961) e Dispersos (1961). Podemos observar que ele destacou-se como um mestre dos sonetos e em musicalidade, especialista em palavras diáfanas, voluptuosas e transcendentais.

A poesia simbolista carrega consigo uma aura de ser complexa demais, erudita em seu vocabulário sofisticado e um tanto inacessível à população em geral. No entanto, penso que, da mesma forma que para os demais gêneros poéticos, é necessário saborear as palavras e entregar-se ao poema e, permitir-se a descoberta de palavras e sensações talvez pouco habituais. Além do mais, a poesia é para todos!

A minha relação com Cruz e Sousa vem da época do Ensino Médio, quando fizemos uma pesquisa sobre os períodos e gêneros literários nas aulas de Língua Portuguesa, na antiga Escola Técnica Federal de Santa Catarina. A equipe à qual fazia parte apresentou um seminário sobre o Simbolismo e então, o contato mais próximo com o poeta e sua obra. Após alguns anos, ganhei um livro de presente com seus poemas, depois ganhei outro livro... em seguida, encontrei um livro mais antigo num sebo em Florianópolis... e agora, com toda a obra disponível na internet, fica bem mais simples o contato com seus poemas e forma de pensar. Mesmo assim, não resisto a algum exemplar físico nas livrarias e sebos da cidade!

Algumas sugestões de leitura e alguns dos poemas que mais aprecio:

INEFÁVEL!

Nada há que me domine e que me vença

quando a minh’alma mudamente acorda...

Ela rebenta em flor, ela transborda

nos alvoroços da emoção imensa.


Sou como um Réu de celestial Sentença,

condenado do Amor, que se recorda

do Amor e sempre no Silêncio borda

d’estrelas todo o céu em que erra e pensa.


Claros, meus olhos tornam-se mais claros

e tudo vejo dos encantos raros

e de outras mais serenas madrugadas!


Todas as vozes que procuro e chamo

ouço-as dentro de mim, porque eu as amo

na minh’alma volteando arrebatadas!

(Últimos Sonetos, obra póstuma, 1905)


CRISTAIS

Mais claro e fino do que as finas pratas

O som da tua voz deliciava...

Na dolência velada das sonatas

Como um perfume a tudo perfumava.


Era um som feito luz, eram volatas

Em lânguida espiral que iluminava,

Brancas sonoridades de cascatas...

Tanta harmonia melancolizava.


Filtros sutis de melodias, de ondas

De cantos volutuosos como rondas

De silfos leves, sensuais, lascivos...


Como que anseios invisíveis, mudos,

Da brancura das sedas e veludos,

Das virgindades, dos pudores vivos.  

(Broquéis, 1893)


BONDADE

É a bondade que te faz formosa,

que a alma te diviniza e transfigura;

é a bondade, a rosa da ternura,

que te perfuma com perfume à rosa.


Teu ser angelical de luz bondosa,

verte em meu ser a mais sutil doçura,

uma celeste, límpida frescura,

um encanto, uma paz maravilhosa.


Eu afronto contigo os vampirismos,

os corruptos e mórbidos abismos

que em vão busquem tentar-me no Caminho.


Na suave, na doce claridade,

no consolo de amor dessa bondade

bebo a tu’alma como etéreo vinho.

(Últimos Sonetos, obra póstuma, 1905)


SIDERAÇÕES

Para as Estrelas de cristais gelados

As ânsias e os desejos vão subindo,

Galgando azuis e siderais noivados

De nuvens brancas a amplidão vestindo...


Num cortejo de cânticos alados

Os arcanjos, as cítaras ferindo,

Passam, das vestes nos troféus prateados,

As asas de ouro finamente abrindo...


Dos etéreos turíbulos de neve

Claro incenso aromal, límpido e leve,

Ondas nevoentas de Visões levanta...


E as ânsias e os desejos infinitos

Vão com os arcanjos formulando ritos

Da Eternidade que nos Astros canta...  

(Broquéis, 1893)


HUMILDADE SECRETA

Fico parado, em êxtase suspenso,

Às vezes, quando vou considerando

Na humildade simpática, no brando

Mistério simples do teu ser imenso.


Tudo o que aspiro, tudo quanto penso

D’estrelas que andam dentro em mim cantando,

Ah! tudo ao teu fenômeno vai dando

Um céu de azul mais carregado e denso.


De onde não sei tanta simplicidade,

Tanta secreta e límpida humildade

Vem ao teu ser como os encantos raros.


Nos teus olhos tu alma transparece...

E de tal sorte que o bom Deus parece

Viver sonhando nos teus olhos claros.

(Faróis, obra póstuma, 1900)


AS ESTRELAS

Lá, nas celestes regiões distantes,

No fundo melancólico da Esfera,

Nos caminhos da eterna Primavera

Do amor, eis as estrelas palpitantes.


Quantos mistérios andarão errantes,

Quantas almas em busca da Quimera,

Lá, das estrelas nessa paz austera

Soluçarão, nos altos céus radiantes.


Finas flores de pérolas e prata,

Das estrelas serenas se desata

Toda a caudal das ilusões insanas.


Quem sabe, pelos tempos esquecidos,

Se as estrelas não são os ais perdidos

Das primitivas legiões humanas?!

(Faróis, obra póstuma, 1900)


Fonte dos poemas: Domínio Público

 http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=51


Livros para apreciar a poesia de Cruz e Sousa e conhecer um pouco mais da sua história:

Negro. Zilma Gesser Nunes (org.), Caminho de Dentro Edições, 2019.

Link da editora: http://caminhodedentro.com.br/negro-cruz-e-sousa-2/


Cruz e Sousa, o poeta alforriado. Godofredo de Oliveira Neto. Editora Garamond, Rio de Janeiro: 2010.

Link da editora: https://www.garamond.com.br/?s=cruz+e+sousa


Documentários e filme:


1. Documentário sobre a confecção do mural Cisne Negro no Centro de Florianópolis pelo artista Rodrigo Rizo:

Link: https://www.youtube.com/watch?v=f5cLkflnZSI

2. Documentário da TV Brasil sobre o poeta Cruz e Sousa:

Link: https://www.youtube.com/watch?v=z72-Gf6ch4c

3. Filme: Cruz e Sousa - Poeta do Desterro, dirigido por Silvio Back, ano 2000, drama, biografia

Link: https://www.youtube.com/watch?v=H7qrUpL1HXo

Faço votos de boa leitura e apreço pela obra de Cruz e Sousa! 📚✨

6 comentários:

  1. Parabéns querida Eliane! Adorei o texto e conhecer um pouco mais nosso nobre poeta!

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    Respostas
    1. Obrigada, querida Luh! Também aprendo um pouco mais sobre o nosso querido Cruz e Sousa, a cada dia! 📚✨

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  2. Eliane, obrigada por compartilhar. Conhecia pouco sobre a vida de Cruz e Souza. Faz pensar acerca de sua genialidade e, também, sobre todas as barreiras raciais que marcaram sua trajetória. A luta contra o racismo atravessa a história, sendo, infelizmente mais atual do que nunca, não é? Um bj.

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  3. Olá! Sim, Cruz e Sousa, em sua genialidade, destacou-se em várias áreas do conhecimento: era um erudito, mestre na arte dos sonetos, vocabulário riquíssimo, sensível, comunicativo... Ele sofreu as consequências das barreiras raciais, foi pouquíssimo reconhecido em vida. Sim, a luta contra o racismo atravessa a história e vejo que, mais do que nunca, não basta não ser racista; é preciso ser antirracista. O esclarecimento em situações que presenciamos algum tipo de racismo, a defesa dos direitos de igualdade, podem ajudar na superação de algo que já deveria estar no passado. Esta é uma luta diária!

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