A Invenção de Morel, Adolfo Bioy Casares, Editora Azul, 2016 (original de 1940)
Desconcertante. A busca pela imortalidade, ainda que não admitida por muitos, permeia nossas buscas e anseios. Freud postulava a pulsão de morte, no entanto, de várias formas, observa-se a tentativa de driblar as leis do tempo, dos efeitos do tempo.
Na obra do escritor argentino Adolfo Bioy Casares, aclamada por ninguém menos do que Jorge Luís Borges, apresenta ainda outro anseio humano: o encontro genuíno com quem amamos, a arte do encontro, da entrega, de sermos compreendidos de forma incondicional e sublime.
Sem abordar diretamente esses temas, magistralmente são apresentados nas entrelinhas de cada página, como se a própria alma do escritor tivesse sido transportada para o papel e, dali, nos apresentasse os anseios mais profundos da alma humana, num cenário impensável.
Paralelo a esses temas, talvez sem se dar conta ou nem tivesse essa ambição, anteviu um pouco da nossa realidade dos tempos pandêmicos em que vivemos: a tentativa de reduzir distâncias por meio de equipamentos que hoje aproximam pessoas em reuniões online e lives bem povoadas. Na falta de abraços e contato presencial, rapidamente descobrimos os encontros remotos através das chamadas de vídeo, de voz e reuniões pelas telinhas dos computadores. Em dado momento, o autor afirma que “todos os aparelhos de superar ausências são, portanto, meios de alcance (antes de ter a fotografia ou o disco é preciso tirá-la ou gravá-lo).” (p. 84)
Através do contexto que o autor foi nos apresentado, ao longo da história nos traz reflexões intrigantes. Se as imagens de fotos e as gravações em vídeos encerram as lembranças que as pessoas têm sobre o que viveram até aquele momento, a nossa vida não seria algo assim também? Nossas reflexões e inferências sobre o mundo e sobre nós mesmos não estariam limitadas pela soma das vivências que tivemos até certo instante? Como pensar sobre o futuro, como pensar sobre o novo, se somos limitados pelas experiências pretéritas? Se cada um de nós traz uma bagagem consigo, cada um conteria a imagem de seus futuros possíveis, mas limitados, cada qual dentro da própria “bolha”. Nas palavras do autor através das reflexões do narrador “o fato de não podermos compreender nada fora do tempo e do espaço talvez sugira que nossa vida não é apreciavelmente distinta da sobrevivência a ser obtida com esse aparelho”. (p. 88).
Outra reflexão bem atual é a respeito da repetição das cenas em nosso cotidiano, a repetição da rotina, quase à exaustão. Até que ponto vivemos no piloto automático? Um dia após o outro, padrões de comportamentos esperados, compromissos e afazeres com hora marcada, sem tempo para pensar o sentido e a razão das coisas.
Em seu estilo da narrativa fantástica, chega a cogitar hipótese da coexistência de vários mundos e dimensões, citando Dante Alighieri e Emanuel Swedenborg, para dar sentido às suas percepções naquele universo de novos efeitos em que se encontra.
O personagem principal, durante a narrativa, apresenta saltos de lucidez sobre sua condição na ilha em que se passa a história: “a situação que vivo não é a que penso viver.” (p. 62). Poderíamos fazer um paralelo com o “Mito da Caverna de Platão”, ou seja, compreendemos o mundo como se fosse a projeção de sombras numa caverna, mas que na verdade, a realidade do mundo que nos cerca é totalmente distinta daquela que percebemos. Podemos ter esse insight constantemente, sempre que tivermos uma postura crítica e questionadora sobre nós mesmos e o mundo ao redor.
Essa obra, além do realismo fantástico, tem também um caráter de ficção científica, ao explorar a projeção de hologramas, que hoje já conhecemos, mas não à época em que foi escrita.
Poderia ainda discorrer sobre as temáticas da solidão e da solitude, que caminham de mãos dadas ao longo da narrativa.
Sem mais antecipações ou detalhes, este é um livro surpreendente, revela as soluções da trama aos poucos, através de cenários que são criados, desfeitos e novamente criados, até o ápice comovente e desconcertante. Daqueles livros que, ao ler novamente essas cento e onze páginas, teremos novos níveis de compreensão e o descortinar de outros aspectos da realidade.
Boa leitura!
p.s.: li este livro em cinco dias. Poderia ter lido mais rápido, mas não conseguiria lê-lo mais devagar.
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