quinta-feira, 28 de março de 2024

A Tragédia Grega de Ésquilo e o Asilo Político da Grécia Antiga aos Dias Atuais

 

Suplicantes – O Nascimento do Asilo Político na Tragédia Grega

Um ensaio sobre a tragédia da migração e os dilemas da política - Marcelo Alves

Itajaí - Editora da Univali / Curitiba - Editora da UFPR, 2022. Bilíngue Português-Inglês, 122 p. / 128 p.

Quem são as pessoas que suplicam por algo nos dias atuais? Quem suplica por asilo político e quais seriam os motivos? O que estaria na base deste fenômeno?

Entre nós, num mesmo país, há quem perambule de um lado para o outro em busca de trabalho, comida, água, abrigo, um banho decente, enfim. Muitas e muitas vezes, essa busca representa uma súplica movida pelo desespero de não encontrar um lugar no cenário complexo do mundo capitalista em que vivemos. Ainda não se suplica por oxigênio por ser algo que encontramos livremente na atmosfera e não foi privatizado, não é vendido nos mercados.

Entre os países, há uma parcela da população mundial que se move através das fronteiras em busca de proteção, alimento, dignidade e sobrevivência. São os migrantes, os refugiados, os que suplicam por asilo político.

Vivemos numa cultura em que a pessoa desempregada, sem posses ou que não consegue pagar o aluguel de um imóvel e o seu próprio alimento é marginalizada, discriminada. Em linhas gerais, é como se isso fosse uma falha da pessoa que pede ajuda, que não consegue se manter no frágil equilíbrio de uma sociedade que naturalizou o lucro, ou seja, o ganho de alguns em detrimento da miséria de tantos. Num mundo assim, do capitalismo selvagem, não há lugar para todos. A essência desse sistema econômico pressupõe que parte dos habitantes fiquem de fora para que uma minoria usufrua dos lucros. Não tem como todos ganharem esse jogo e os que “falham” são tidos como incompetentes ou incapazes.

Este tipo de preconceito e discriminação atinge também as pessoas que migram entre os países em busca de melhor condição de vida ou de sobrevivência. Essa migração seria algo mais simples se houvesse um acolhimento por parte das nações, a priori. Ou então, se houvesse um esforço diplomático entre os países para minimizar ou equacionar as condições hostis dos países de origem dos migrantes, como guerras, disputas religiosas, perseguições políticas e outros conflitos.

Na obra “Suplicantes - O Nascimento do Asilo Político na Tragédia Grega”, o escritor e professor de Filosofia Marcelo Alves nos apresenta um ensaio a respeito do tema Asilo Político a partir da Grécia Antiga, ilustrada através da tragédia de Ésquilo, As Suplicantes. Resumindo bem os pontos principais desta tragédia, trata-se do dilema das cinquenta danaides, filhas de Dánao, prometidas a casar contra suas vontades com seus primos, os cinquenta filhos de Egipto. Para livrarem-se do destino, fogem e pedem asilo ao rei Pelasgo, em Argos, na Grécia. A partir daí, o jogo de forças se desenvolve, no sentido de atender à súplica das danaides ou colocar o reino de Argos em risco de guerra contra o reino de Egipto. Argumentos religiosos e políticos, considerando a vontade dos habitantes da polis, são postos na balança para que se chegue a uma decisão. Das mais de noventa peças atribuídas a Ésquilo, um dos três principais tragediógrafos gregos, apenas sete chegaram até os dias atuais e As Suplicantes é uma delas, juntamente com Os Persas, Os Sete Contra Tebas, Prometeu Acorrentado e a trilogia Oresteia, formada por Agamêmnon, Coéforas e Eumênides.

O autor situa inicialmente os conceitos de asilo religioso e político na Tragédia da Grécia Antiga a partir dos valores básicos respeitados pelos cidadãos dessa civilização, as leis não escritas, comuns aos helenos. São eles: dar funeral aos mortos, acolher os suplicantes, dar e receber hospitalidade e cumprir os juramentos. Esclarece que o respeito pelo outro sustenta esses valores / leis não escritas.  E as tragédias, em linhas gerais, eram uma forma de levar ao povo os temas, valores e conceitos que vinham sendo construídos no auge da civilização helênica, no sentido religioso, político e pedagógico.

O desenvolvimento e a construção dos conceitos relacionados ao longo da obra ocorre de modo didático e esclarecedor, como por exemplo: o que é a tragédia grega, como se dá a transição entre asilo religioso e asilo político, a relação entre hospitalidade e hostilidade, a hospitalidade como um dos valores essenciais na Grécia Antiga, a transição da decisão por asilo político por parte de governantes autocráticos e por assembleias de representantes do povo, o Direito Internacional e os Direitos Humanos e, por último, uma reflexão, apresentada pelo próprio autor, a respeito da suposta passividade das pessoas que suplicam por asilo político, refúgio e proteção.

No trecho “assim, não bastasse o fato de não contarem com as garantias de seu próprio Estado de origem, estes “cidadãos” estrangeiros são penalizados uma segunda vez quando chegam em busca de acolhimento ou de oportunidade, porque esta ficcionalização – de tratá-los como se cidadãos fossem – facilmente reverte-se em ocasião para legitimar a indiferença pela sua sorte (...) seriam percebidos como invasores: cidadãos estrangeiros vindos sem serem  convidados, dispostos a roubar postos de trabalho e a arruinar os valores e o modo de vida locais” (p. 91), o pesquisador elenca uma série de preconceitos e dificuldades a que estão sujeitos os migrantes e os refugiados. Faz um alerta, ao longo da obra, sobre o valor do respeito ao outro, simplesmente por sermos seres humanos. 

No Sumário do livro, encontramos os seguintes temas:

Apresentação

Introdução

Súplica e Hospitalidade no Mundo Grego Antigo

Direito e Política na Tragédia Grega

As Suplicantes e os Dilemas da Política

Zeus, Deus e Mortalis Dei: Do asilo religioso ao asilo político

Desfecho: Os dilemas da política diante dos refugiados, deslocados, solicitantes de asilo e outros suplicantes

Referências


Gostei bastante da leitura deste livro e considero-o bem-vindo e necessário nesses tempos em que convivemos com guerras e crises humanitárias em tantos países. Há legiões de pessoas que buscam por sobrevivência e dignidade longe de suas famílias, cultura, tradições, idioma e nação de origem. Na maioria das vezes, essas pessoas são tratadas com hostilidade, preconceito e excluídas do mínimo de dignidade. A obra nos ajuda a compreender esse contexto e o desenvolvimento do conceito de asilo político. Além de ser uma obra para as áreas das Relações Internacionais, do Direito, da Literatura e áreas afins, sua leitura nos ajuda tanto a rever conceitos como também a desenvolver argumentos atualizados para o debate do tema.

A edição bilíngue português – inglês, sem dúvida, amplia o alcance da obra.

Boa leitura!

 📚📚📚

Conheço o Marcelo Alves desde a época do Ensino Médio, pois estudamos na mesma escola e depois, reencontrei-o algumas vezes na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Recentemente, num curso organizado pelo Grupo de Literatura do qual faço parte desde 2020, o Marcelo ministrou um curso sobre as Tragédias Gregas. Uma grande alegria e satisfação reencontrar o amigo nesse contexto literário e agradeço por compartilhar conosco suas pesquisas e escritos.

📚📚📚

Marcelo Alves é doutor em Filosofia, na área de Ética e Filosofia Política (2020), mestre em Literatura, na área da Teoria Literária (1998), licenciado (1996) e bacharel (1994) em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Lecionou na UNIVALI, entre 1999 e 2020, nos cursos de Direito, Relações Internacionais, Ciência Política e História. É autor de "Suplicantes: O nascimento do asilo político na Tragédia Grega / Suppliants: The Birth of Political Asylum in Greek Tragedy" (Editora Univali e Editora UFPR, 2020). "Camus: entre o sim e o não a Nietzsche" (Letras Contemporâneas, 2001), Leviatã: O demiurgo das paixões - Uma introdução ao contrato hobbesiano (Letras Contemporâneas, 2001) e "Antígona e o Direito" (Juruá, 2007); organizador de "Direito e Política na Revolução Francesa" (Editora Univali, 2012); co-organizador de "Relações Internacionais: outros olhares (Editora Univali, 2019) e "A Cidade Escrita: jornalismo, literatura e modernidade em João do Rio" (Editora Univali, 2005).

Algumas das obras do autor:





Resenhas de livros e afins

Literatura Infantojuvenil e a Literatura de Aconchego para todas as idades

 O Segredo do Sótão - Gladys Rosa   Entre os livros infantojuvenis publicados nos últimos anos, destaque para " O Segredo do Sótão ...