Entre numa livraria. Maravilhe-se com as estantes cheias de livros. Aproxime-se daqueles livros que está querendo ler há muito tempo. Observe os títulos ao redor. Escolha um livro aleatoriamente. Alcance o livro à mão, folhei-o. Se possível, sinta o cheiro que o livro emana ao ser folheado. Absorva as sensações contidas nesse ritual. Pronto! Você encontrou o livro que precisava ler neste exato momento.
Esse ritual, ao adentrar numa livraria e apreciar suas estantes abarrotadas de livros, lembra o que descreve Italo Calvino no início de sua obra "Se um viajante numa noite de inverno" (1979). Ele enumera as recomendações básicas para ler e apreciar o livro que estamos prestes a ler. No caso, o referido livro dele e todos os bons livros que merecem a criação de um mundo à parte para mergulharmos em seu enredo e apreendermos ao máximo o que o autor nos oferece.
Por falar em bons livros, aqueles considerados clássicos e "eternos", como não lembrar de Hermann Hesse? Da sua vasta e imponente obra, quero falar um pouco sobre "Demian" (1919) e "O jogo das contas de vidro" (1943). Mas poderia citar também "Sidarta" (1922), "O lobo da estepe" (1927) e tantos outros. Além do mais, nessa época de tantos estímulos, barulhos e guerras, é sempre bom lembrar o valor da introspecção e do autoconhecimento. Os livros de Hesse nos conduzem por esse caminho.
Gosto de observar como os livros nos chegam, o percurso que fazem até pararem em nossas mãos. Há uns sete ou oito anos, ganhei alguns livros de uma amiga que se desfez de parte de sua biblioteca pessoal. Ela estava mudando de endereço e precisava doar alguns objetos e livros. Fiquei bem feliz com o presente. E qual a surpresa ao receber esses livros? O pacote continha algo muito valioso: O jogo das contas de vidro.
Demian foi uma dica de um colega de trabalho que um dia, conversando sobre literatura, me perguntou: Você já leu Demian, Eliane? É fantástico! Na semana seguinte, num dos meus passeios literários numa livraria em Florianópolis, lá estava ele! Levei um exemplar e aproveitei para levar também "A descoberta da escrita" (2010) do escritor norueguês Karl Ove Knausgard.
Na imagem, além de Demian e A descoberta da escrita, um livro que está na minha lista: Floresta escura (2018), Nicole Kraus, escritora contemporânea.
Hermann Karl Hesse nasceu em Calw - Alemanha, em 02/07/1877 e faleceu em Montagnola - Suíça, em 09/08/1962. Natualizou-se cidadão suíço em 1923. Foi um escritor e pintor, laureado com o Prêmio Goethe e o Prêmio Nobel de Literatura em 1946. Sua família era muito religiosa, protestantes pietistas, foram missionários cristãos na Índia. A vontade dos pais era de que se preparasse para ser pastor, no entanto, saiu do seminário em que estudava, rompeu com a família e emigrou para a Suíça, onde trabalhou como operário e livreiro. Antes disso, havia viajado à India e teve contato com a espiritualidade oriental. Na Suíça, aproximou-se da psicanálise e da obra de Carl Gustav Jung, no cenário pós 1a Guerra Mundial. Com essas influências, buscas e experiências vivenciadas nesse período de transformações mundiais dedicou-se à escrita.
Hesse foi um escritor bastante lido em sua época, mas sua obra teve destaque e influenciou artistas, cientistas e pensadores de várias áreas principalmente na década de 60, no movimento da contracultura. A ênfase na busca espiritual, no autoconhecimento e nos princípios elevados para a vida tornaram sua obra universal.
Demian, romance de formação, 1919
Esta é considerada por muitos como a principal obra de Hesse. Ao longo da narrativa, podemos observar passagens que têm um toque autobiográfico pois se trata de um jovem proveniente de uma família religiosa em busca de suas próprias crenças, valores e seu lugar no mundo. O jovem Emil Sinclair entra em conflito ao se deparar com um mundo que lhe oferece valores e experiências diferentes daquelas vivenciadas na proteção do ambiente familiar. Por outro lado, Max Demian é o jovem que apresenta as contradições e alguns mistérios ao jovem buscador. Pode-se observar a influência de Carl Gustav Jung ao longo da obra.
O livro é escrito de uma forma tão intensa que o leitor se sente realmente no lugar do protagonista, como se estivesse no local descrito e vivenciando seus conflitos, sensações e descobertas. Ao iniciar a leitura, é praticamente impossível não lê-lo de uma vez.
O Jogo das Contas de Vidro, ficção, 1943.
Num cenário futurista, século XXIII, os integrantes de Castália, uma sociedade de intelectuais busca o aprimoramento do jogo de avelórios, um jogo que reúne conhecimentos sobre várias áreas, como a música, a matemática, a astronomia, a filologia... bem como o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal. Na narrativa, o autor apresenta a história de José Servo, personagem principal que viveu boa parte de sua vida nesta sociedade. Seu comportamento exemplar, educação refinada, respeito a todos, dedicação aos estudos, ética e coerência aos valores mais elevados o colocam no ápice dessa sociedade. Ao longo da trajetória, Servo faz visitas a um grupo de monges e a alguns amigos que vivem fora de Castália e, nessas excursões, questiona sobre a vida isolada que levam em Castália. Após chegar no ápice do domínio intelectual, espiritual e cultural, almeja uma vida comum e uma ocupação nobre: ser professor.
https://www.record.com.br/produto/o-jogo-das-contas-de-vidro-edicao-de-bolso/
Essa leitura nos conecta com o que há de melhor no potencial humano. Posso adiantar que não é leitura rápida, não só pelas quase 700 páginas, mas pela riqueza de referências e reflexões nas entrelinhas.
Boas leituras e reflexões! 📝📚🌻✨